segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Médicos usam mesmas áreas do cérebro para nomear objetos e fazer diagnósticos

Desvendar mecanismos cerebrais contribui para o aprimoramento dos diagnósticos, reduzindo erros médicos, indica estudo feito na FMUSP e University College de Londres. Ao fazer diagnósticos, os médicos utilizam os mesmos mecanismos cerebrais empregados para nomear objetos, de acordo com um estudo realizado por um grupo de cientistas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e do University College de Londres, na Inglaterra. O trabalho teve seus resultados publicados na revista PLoS One.
De acordo com os autores, é a primeira vez que se estudam os mecanismos cerebrais utilizados pelos médicos para fazer diagnósticos. Desvendar esses mecanismos, segundo eles, pode contribuir para o aprimoramento de métodos e técnicas diagnósticas, reduzindo erros. O trabalho foi realizado no âmbito do programa Cooperação Interinstitucional de Apoio à Pesquisa sobre o Cerebro (CInAPCe), financiado pela FAPESP. Participaram do estudo Marcio Melo e Daniel Scarpin, do Laboratório de Informática Médica da FMUSP, Edson Amaro Jr., Rodrigo Passos e João Sato, do Instituto de Radiologia da FMUSP, e Karl Friston e Cathy Price, do Centro de Neuroimagem do Univeristy College. Amaro Jr. é um dos pesquisadores principais do Cinapce. Segundo Melo, primeiro autor do estudo, os resultados do estudo mostram que as áreas cerebrais ativadas durante a tarefa de realizar diagnósticos é muito semelhante às áreas ativadas quando se nomeia objetos. O trabalho indica que diagnósticos feitos a partir do rápido reconhecimento visual de sinais clínicos podem se basear em mecanismos neuronais semelhantes àqueles usados para nomear objetos no cotidiano. “Os resultados desse estudo implicam que o vasto conhecimento acumulado em pesquisas de neurociência cognitiva sobre o reconhecimento e denominação de objetos pode ser aproveitado para o aprimoramento de práticas diagnósticas”, disse Melo à Agência FAPESP. Segundo ele, os médicos frequentemente chegam aos diagnósticos nos primeiros momentos de contato com os pacientes – às vezes até mesmo antes que os doentes relatem seus sintomas. Quando o médico vê um paciente com icterícia, por exemplo, pensa imediatamente no diagnóstico de doenças hepáticas. “Esse tipo de diagnóstico, imediato e automático, é chamado de reconhecimento de padrões. A nossa hipótese era de que para fazer o diagnóstico nessas circunstâncias, os médicos utilizariam os mesmos mecanismos cerebrais que são mobilizados para reconhecer e identificar objetos no nosso cotidiano”, afirmou. A fim de realizar o estudo, os cientistas desenvolveram um novo modelo experimental que utiliza o diagnóstico de lesões em radiografias de tórax como exemplo de diagnóstico com base em informações visuais. “Utilizamos a ressonância magnética funcional para detectar ativações cerebrais enquanto os médicos, deitados dentro do aparelho, faziam diagnósticos de lesões em radiografias toráxicas”, explicou Melo. Para o experimento, foi empregado um equipamento de ressonância magnética utilizado para pesquisas no Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas. As imagens eram projetadas por 1,5 segundo e o radiologista tinha, além desse período inicial, mais 2 segundos para responder qual era o diagnóstico. Como comparação, os médicos também identificavam e nomeavam animais cujos desenhos eram inseridos nas imagens radiológicas. “Deitado no tubo do aparelho de ressonância magnética, os médicos podiam observar as radiografias por meio de um sistema de espelhos. Cada um observou 180 imagens, sendo 60 de lesões radiológicas, 60 de animais e 60 de letras”, disse. O tempo médio de resposta, definido como o tempo entre o início da apresentação da radiografia e o início da vocalização do diagnóstico, foi de 1,33 segundo. Para a nomeação dos animais, o tempo médio de resposta foi 1,23 segundo. “Esses tempos de resposta são uma indicação de que esse tipo de diagnóstico pode ser muito rápido. A maioria dos radiologistas relatou que, além do nome da lesão, surgiam diagnósticos diferenciais de algumas lesões. Isto é, os 3,5 segundos gastos com cada imagem eram suficientes para o médico chegar a pensar em diagnósticos específicos”, disse Melo. Visão e diagnóstico Os resultados mostraram que as áreas cerebrais ativas durante o diagnóstico das lesões eram muito semelhantes àquelas detectadas durante a nomeação de animais, segundo Melo. “Os resultados são coerentes com nossa hipótese de que diagnósticos feitos a partir do rápido reconhecimento visual de sinais clínicos são baseados em mecanismos neuronais semelhantes àqueles usados para nomear objetos no cotidiano”, afirmou. Segundo Melo, os resultados indicam que os amplos conhecimentos acumulados nos estudos de neurociência cognitiva sobre a identificação e nomeação de objetos poderão ser utilizados no desenvolvimento de métodos para incrementar a competência dos médicos em tarefas diagnósticas que envolvam a visão. “Além disso, a hipótese conceitual e a nova abordagem metodológica utilizadas no estudo poderão abrir novos caminhos para o aumento do conhecimento a respeito dos processos cerebrais que levam a diagnóstico médico”, disse. O artigo How Doctors Generate Diagnostic Hypotheses: A Study of Radiological Diagnosis with Functional Magnetic Resonance Imaging, de Marcio Melo e outros, pode ser lido em www.plosone.org.

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